Machu Picchu, tradicional destino de mochileiros no Peru, também está ao alcance de famílias com crianças. O espivetado Dimitri e seus pais, a jornalista Marina Moros e o professor universitário Fernando Scheibe, desbravaram Cuzco e a Cidade Sagrada e nos contam sua aventura
Texto e fotos MARINA MOROS
Pergunto o que ele lembra da viagem. Dimitri tem 5 anos e muitas respostas: os rios vistos do trem, a descida súbita do avião, o amiguinho da hospedagem, o frio, as construções de Machu Picchu, as piscinas termais de Águas Calientes, o milho cozido, a chicha morada, a descida a pé das ruínas Sacsayhuamán, as ladeiras do bairro San Blas, os queijos gostosos comprados no mercado.
A primeira aventura é o voo. Uma hora de Lima a Cuzco sobrevoando os picos nevados da Cordilheira dos Andes, com muitas perguntas: “Quando vou ver as lhamas?”; “A centopa (centopéia de pelúcia que sempre o acompanha) vai ficar com frio?”; “Vamos mesmo andar de trem?”. Então aparece a cidade, escoltada pelas montanhas. E lá vem o frio na barriga: próximo da aterrissagem, o avião faz uma curva de 180 graus para entrar pelo espacinho possível. Dimitri já adianta: “A centopa nem ficou com medo”. As lhamas estavam logo ali, guardadas pelas cholas, mulheres com suas quatro saias sobrepostas, longas tranças, chapéus coloridos e filhos às costas – cada foto a um sol, a moeda local, aliás. E, sim, bastante frio! A temperatura média anual é 11º, chegando a -2º no alvorecer.
Cuzco fica a 3.360 metros acima do nível do mar. Logo que chegamos, sentimos o famoso soroche, mal causado pela altitude. Os efeitos variam muito para cada pessoa. Há quem não sinta nada e os que têm de dor de cabeça e tontura a ânsia. A reação de Dimitri, por exemplo, foi dormir o dia inteirinho. Refeito do soroche, ele aproveitou para desbravar a Hospedaje Inka, o acolhedor hostal que escolhemos em San Blas, conhecido bairro dos artistas. Não demorou para fazer amizade com Sebastian, neto dos donos, menino brejeiro que circulava todo sorrisos entre os muitos jovens estrangeiros.
Machu Picchu é o objetivo de praticamente todos que põem os pés em Cuzco. Mas antes de subir até a montanha, é indispensável aproveitar pelo menos dois dias na cidade. Conhecida antigamente como Qospo, “umbigo do mundo” no idioma quéchua, é um local encantador e cheio de contrastes. Em cada esquina, descortina-se um pedaço de história, marcada pela subjugo dos povos indígenas ao poderio dos conquistadores espanhóis. Na Plaza de Armas, centro nevrálgico da cidade, a Iglesia del Triunfo é uma prova disso. Ela foi erguida em 1539 tendo como base o palácio de Wiracocha Inca. A alguns passos dali, a Catedral foi construída entre 1560 e 1664 com blocos de pedra vermelha retirados da fortaleza de Sacsayhuamán.
Alheio ao significado das marcas da invasão espanhola, Dimitri adorou o encaixe preciso dos muros e a famosa pedra de 12 ângulos, ícone da apurada arquitetura inca. Compramos uma miniatura, mais divertida que peças de Lego. Cuzco também tem belas praças, com chafariz e jardins coloridos. Para quem vai com crianças, uma boa pedida é pegar o ônibus – com ares de bonde – que sai da Plaza de Armas e leva a alguns dos principais sítios históricos das redondezas. É o caso da fortaleza de Sacsayhuamán, dos labirintos de Q’enqo e dos aquedutos de Tambomachay.
Outro programa imperdível é circular pelas feiras de Cuzco, provar os queijos de lhama, as frutas, o milho cozido e o delicioso suco de chicha morada (milho roxo), que Dimitri tomou a bons goles durante toda a viagem. Outra bebida que ele adorou foi a Inka Cola, o refrigerante nacional – não sabemos se realmente pelo sabor ou pela cor amarelo-vivo, quase fluorescente.
Tínhamos pensado em ir até Machu Picchu pela trilha menor – dois dias e uma noite – mas os guias nos desaconselharam: é um caminho longo para uma criança de 5 anos e, mesmo que Fernando esteja acostumado a carregar Dimitri nas caminhadas que fazemos, a altitude o esgotaria muito rápido. Decidimos ir de trem, e foi uma das partes mais gostosas da viagem. Dimitri ficou colado na janela, encantado, pedindo para repetirmos os nomes dos rios em quéchua.
A última estação é a de Águas Calientes, um povoado de águas termais às margens do rio Urubamba. Base para a visita a Machu Picchu, o lugar é crivado de restaurantes, hotéis e muitas barraquinhas de suvenir. O mais gostoso do povoado é passar horas nas piscinas calientes – uma boa pedida na chegada da viagem de trem e na volta da Cidade Sagrada, depois de andar e andar.
Fomos para Machu Picchu cedinho, em um dos primeiros ônibus que saía de Águas Calientes. A cidadela estava cerrada pela neblina. Só víamos as lhamas soltas com seus filhotes e Dimitri pôde, finalmente, chegar perto delas sem intermediação das cholas. Quando a neblina baixou, o encanto: uma cidade de pedra, erguida em uma montanha a 2.560 metros acima do nível do mar, precisamente dividida em dois setores: o urbano e o agrícola. Dimitri logo tirou as sandálias para poder andar pelos labirintos de pedra. Há bastante o que ver: o Templo do Sol, o Templo das Três Janelas, o Templo Principal, o observatório solar Intiwatana, degraus e degraus, os encaixes dos blocos de granito branco, mausoléus, mais templos. Você pode contratar um guia, levar um de bolso ou pegar carona nos guias alheios. A cada metro, Dimitri perguntava “como” e “por quê”. Ele ficou fascinado pelas fontes de água e o elaborado sistema de irrigação dos incas. Prepare-se para dar uma aula de arquitetura, astronomia e história.
O bom de chegar cedinho em Machu Picchu é que a cidadela ainda tem aquele ar mágico que idealizamos ao ver o cartão-postal mais difundido do Peru. Há poucos visitantes vindos de Águas Calientes e os aventureiros que enfrentaram a Trilha Inca e, cansados e extasiados, curtem o prêmio máximo pelos quatro dias de caminhada. Antes da turba de turistas chegar, dá para conhecer com calma os principais pontos e planejar providenciais descansos no meio do passeio.
Bem abastecidos de imagens e história reunimos um pouco mais de fôlego para subir até Wayna Picchu. Do alto da “Montanha Nova”, em frente e a 300 metros acima da Cidade Sagrada, tem-se a melhor vista das ruínas. Mas é melhor combinar antes quem carrega quem: Dimitri já tinha cansado as pernas e pegou uma carona com Fernando durante toda a subida. Lá no alto, não é preciso procurar o que fazer, o que ver. Restam aqueles momentos para simplesmente existir. Olhar Machu Picchu. Sentir a civilização imaginada. Torcer para que as lembranças que Dimitri levará consigo sejam tão ricas quanto as nossas. Restar em silêncio.
DICAS ESPERTAS
- Em Cuzco, é uma boa pedida adquirir o Boleto Turístico, que dá direito a entrada nas principais atrações.
- Os tickets de trem de Cuzco a Águas Calientes podem ser comprados no site da Perurail.
- Para enfrentar o soroche, é importante fazer refeições leves e pouca atividade física nos primeiros dias. O “remédio” natural utilizado desde o tempo dos incas é o chá de coca, que tem efeito revigorante. Outra alternativa são as soroche pills, encontradas em todas as farmácias locais
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